quarta-feira, julho 24, 2019

Tiago Vicente: “Enquanto o presidente da SAD e do clube não forem a mesma pessoa acho que não há solução"

Entrevista Tiago Vicente esteve ao serviço da UD Leiria durante oito épocas. Treinou os iniciados, os seniores, mas foi nos juniores que se notabilizou. Em entrevista ao Diário de Leiria, o técnico, de 40 anos, confessa os motivos da sua saída, acreditando ainda que a ‘guerra’ entre a SAD e o clube só acabará quando o presidente for o mesmo.

Diário de Leiria: Que balanço faz destes oito anos a representar a UD Leiria?
Tiago Vicente: O balanço é positivo. Cumprimos sempre o objectivo que foi a manutenção e fomos três vezes à fase final. No ano passado conseguimos a melhor classificação de sempre [6.º lugar na fase final].

Foi o treinador principal dos juniores durante sete anos. Qual foi a geração que mais o marcou?
É difícil porque no futebol as pessoas só se lembram do presente. Mas tivemos equipas muito competitivas. Quando não havia equipas B, os ‘grandes’ tinham muitos jogadores e emprestavam alguns, pelo que os campeonatos eram mais competitivos na primeira metade da tabela onde havia bastante equilíbrio. Lembro-me de uma boa geração da UD Leiria com o Carlos Daniel e Filipe Oliveira. Mais tarde houve uma geração muito boa onde apanhei o Benny, o Afonso [Caetano], o [Bruno] Jordão e aí tínhamos uma equipa interessante, assim como a da época passada. Mas a verdade é que nós só fazemos aquilo que nos deixarem fazer e não é fácil chegar aos quatro primeiros.

É possível nestas idades detectar um jogador que vai ser uma estrela? Houve algum adversário que te tenha impressionado?
A melhor equipa que eu defrontei foi o Sporting [época 2012/2013] que tinha jogadores como o Ié, Betinho, Filipe Chaby, João Mário, Mané e Gelson. Lembro-me que no Benfica, o João Félix, nos poucos jogos que fez nos juniores, fez aqui em Leiria três golos quando ganharam por 4-1. Até acho que foi o primeiro jogo dele em que jogou como falso avançado. Via-se claramente que era um fenómeno, mas como não era um jogador muito grande há sempre dúvidas porque um bom júnior pode não ser um bom sénior.

É complicada a transição dos juniores para os seniores?
Sim. Há miúdos que precisam de jogar nas equipas B e sub-23. Há outros ainda que precisam logo de jogar numa equipa de I ou II Liga. Só a esse nível é que se consegue saber se o jogador vai dar ou não, mas às vezes também te enganas.

Houve algum jogador que tivesse passado pelas suas mãos que o tivesse impressionado particularmente?
Todos aqueles jogadores que fazem sacrifícios enormes para treinar ficam sempre na memória do treinador, mas em termos de qualidade individual não posso deixar de falar do [Bruno] Jordão. Tinha um talento enorme.

Há muitas pessoas que as equipas do Tiago Vicente são muito resultadistas? Concorda?
As pessoas são livres de ter a sua opinião, mas eu gosto de fazer um jogo mais de transições, gosto de controlar o jogo sem bola se tiver que ser. Acima de tudo, não gosto de perder. Se chamam a isso ser defensivo… É a minha maneira de jogar.

Num escalão como os juniores é mais importante competir para ganhar ou formar?
Quando chegas a casa, a primeira coisa que as pessoas te perguntar é: qual foi o resultado? Ninguém quer saber se saíste a jogar, se jogaste bem, etc.. Acho que tem que haver um equilíbrio entre competir e formar, mas vejo este escalão mais de competição do que de formação porque o campeonato assim o exige. Já vi equipas a adoptarem um estilo mais ‘romântico’, mas quando estão à ‘rasca’ adoptam um estilo mais pragmático. Tentámos fazer o melhor com aquilo que tínhamos e cumprimos sempre os objectivos.

É possível ter uma equipa de juniores da 1.ª divisão nacional com jogadores da casa, como preconiza o actual presidente do clube?
É muito importante para a UD Leiria ter uma equipa na 1.ª divisão porque é a única coisa que os outros [clubes] ainda não têm. Se formos a ver, ao nível das condições, há clubes que têm mais e melhor. Ao nível da organização também se trabalha bem. Mas uma equipa na 1.ª divisão nacional de juniores nenhum outro clube tem no distrito, e isso é que é de preservar. É o que diferencia a UD Leiria em relação aos outros. Não acredito que isso se consiga só com jogadores da casa. Trazer jogadores de fora aumenta a competitividade e nunca vi ninguém ficar chateado por poder jogar com os melhores, venham eles de onde forem.

No início da época acumulou as equipas de juniores com a de seniores. Foi a opção certa na altura?
Foi uma altura complicada. Fui apanhado desprevenido. Era algo que eu um dia gostava de poder desempenhar, mas com outras condições. Na altura a minha principal preocupação eram os juniores e garantir a manutenção. Esse foi um dos primeiros entraves que disse logo ao presidente [Alexander Tolstikov]. Disse que não podia aguentar o barco durante muito tempo, mas a verdade é que consegui cumprir os objectivos nos dois escalões. Foi muito violento e desgastante para mim e para as pessoas que me rodeavam, mas assim que tivesse a noção que estava a prejudicar algumas das equipas teria que parar.

Decidiu sair dos seniores na paragem de Dezembro numa altura em que já se falavam dos ordenados em atraso. Foi esse um dos motivos da sua saída?
Na minha passagem pelos seniores perdemos três jogos e fosse quem fosse o treinador seria sempre difícil fazer melhor porque já era complicado motivar os jogadores. O Filipe Cândido teve a capacidade de aumentar os níveis de motivação dos jogadores, mas seria difícil um treinador fazer uma época inteira naquelas situações difíceis.

Como se lida com um balneário revoltado com os ordenados em atraso?
Os inícios de semana eram sempre complicados porque havia sempre a perspectiva de os jogadores receberem e quando isso não acontecia custava sempre a começar a ‘engrenar’. Mas nos treinos e nos jogos nunca notei que a questão dos ordenados os tivesse afectado. Tínhamos um plantel de briosos profissionais. Trabalharam sempre no limite.

Se pudesse voltar atrás voltaria a aceitar o convite da SAD para acumular as duas equipas?
Não tive grandes hipóteses. Vinha do jogo contra o Belenenses e pediram para fazer o jogo dos seniores no dia seguinte. Não tinha como dizer que não. Nunca tive hipóteses de fugir porque não podia voltar as costas às pessoas. Mas se pudesse voltar atrás fazia algumas coisas de forma diferente. Fiquei com alguma mágoa de não ter apostado mais em um ou outro jogador, nomeadamente o Renato [Alexandre], só que o plantel estava recheado de bons jogadores e era complicado chegar ali e meter um miúdo a jogar. Agora olhando para trás, teria feito isso.

Gostaria um dia de voltar a ser treinador dos seniores da UD Leiria?
Claro que sim. É uma cadeira apetecível e gostava de voltar numa perspectiva de valorizar alguns jogadores da formação do clube.

Contudo, sai da UD Leiria dizendo que não tem condições mínimas para continuar nos juniores? Que condições seriam essas?
Reuni duas vezes com o presidente do clube [Nuno Cardoso]. Ouvi o que as pessoas tinham a dizer e não concordei com o projecto. Não acho que seja possível ficar na 1.ª divisão de juniores só com jogadores da região. Percebo e respeito que as pessoas não queiram gastar dinheiro com jogadores de fora, mas não faria sentido eu estar a agarrar num projecto quando não acredito ser possível cumprir o objectivo.

Sai com mágoa por não lhe terem dado essas condições?
Eu percebo o lado da direcção do clube. Eles é que foram eleitos e o projecto é deles. Estou de consciência tranquila e isso é o mais importante. Com esta história entre a SAD e o clube eu acabei por sair prejudicado. Sempre pensei que pudesse haver um acordo, mas isso não foi possível. Ainda dei algum tempo para as pessoas pensarem e reflectirem, mas quando eu vi que não havia nada a fazer…

Acha que foi dado a Marco Ramos [treinador dos juniores da UD Leiria na próxima época] um presente envenenado?
Não. Eu, se calhar, no lugar dele teria feito o mesmo. Mas da forma como vesti a camisola da UD Leiria e assumi a responsabilidade, seria mau para mim aceitar este projecto com as condições que me foram apresentadas. Ele vai fazer o melhor possível e as pessoas vão ficar agradecidas.

Qual a sua relação com o presidente da SAD?
Foi uma pessoa que sempre me tratou bem e que tentou dar todas as condições.

Mas é verdade que a SAD tem uma dívida ainda bastante avultada para consigo?
Não houve nenhum sítio por onde tenha passado onde não houvesse dificuldades financeiras, e não foi por causa disso que deixei de agradecer às pessoas. É verdade que há uma dívida, mas isso só mostra que não tive ali por questões monetárias, como nunca tive.

Como vê a actual ‘guerra’ entre a SAD e o clube? Parece nunca haver estabilidade.
Enquanto o presidente da SAD e do clube não forem a mesma pessoa acho que não há solução. Estes conflitos ficaram ainda mais acessos a partir do momento em que o Alexander [Tolstikov] concorreu às eleições do clube. Toda a gente acha que consegue fazer melhor, mas eu acho que se devia caminhar em conjunto. Estaríamos mais próximos do sucesso. E ainda mais: gastam-se energias que seriam necessárias para outras coisas.

A verdade é que os anos vão passando e a UD Leiria continua a ter infra-estruturas escassas…
Ou se investe para se subir de divisão, ou investe-se nas infra-estruturas. Não se pode ter as duas coisas. O que eu vejo é que há outros clubes no distrito com muitos mais apoios, o que não aconteceu com a UD Leiria. Ainda sou do tempo em que tínhamos o estádio, tínhamos o pelado e um campo de treinos e aí já teríamos as infra-estruturas que tanto se fala, mas isso foi tudo trocado por um ‘campozinho’ lá em cima [Santa Eufémia] e estamos a colher os frutos disso.

O Tiago Vicente esteve também ligado ao processo da certificação da UD Leiria como entidade formadora, tendo recebido essa certificação em 2018. Contudo, o clube não recebeu a certificação este ano. Como se explica isso?
Fui apanhado de surpresa quando soube isso. O processo de certificação começou muito antes de eu ter sido coordenador do clube. Com o esforço de toda a gente envolvida conseguimos a distinção em 2018. Foi com grande surpresa que vi que nas notícias o nome da UD Leiria não estava incluído na lista dos clubes certificados. Depois de todo o trabalho que aquilo deu, acho que não é nada de transcendente dar continuidade a esse trabalho.

Como projecta a sua carreira?
Sobretudo, gostava de estar num projecto ambicioso, tanto na formação como numa equipa sénior. Desde que seja um projecto ambicioso e que me reveja no que vão fazer para mim está bom. |

Texto: José Roque - Diário de Leiria
Foto: Luís Filipe Coito

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