terça-feira, setembro 24, 2019

Pedro Faustino: “O Caldas foi o melhor que me podia ter acontecido”

Pedro Faustino foi eleito pela Associação de Futebol de Leiria o melhor jogador no distrito na época 2018/2019, oportunidade perfeita para o Diário de Leiria revisitar a carreira do talentoso médio ofensivo numa entrevista em que o atleta do Caldas SC abriu o livro sobre a sua formação no Sporting SC, sobre a grave lesão que quase lhe colocou um ponto final na carreira, como voltou a ser feliz a jogar futebol no SCL Marrazes e como a época passada acabou por ter um sabor amargo ao serviço do AC Marinhense.

Como é que surgiu essa paixão pelo futebol?
Desde que eu me lembro (risos). Lembro-me de ter quatro ou cinco anos e de estar sempre a chatear os meus pais porque queria ir para uma equipa. Surgiu a hipótese de ir para a UD Leiria e, na altura, não era muito usual miúdos tão novos irem para lá, mas aceitaram-me e tudo começou a partir daí.

Como foram esses primeiros tempos? Que memórias tem dessa altura?
Tenho memória de ser claramente o mais pequeno, mas lembro-me de os meus colegas ficarem encantados por já conseguir fazer coisas tão especiais com a bola. Era evoluído para aquela idade.

Tão evoluído que acabou por ir para o Sporting...
Fui para o Sporting com 10 anos. Nessa altura fazia quatro ou cinco golos por jogo e acabei por chamar a atenção do Sporting e por fazer testes de captação. Éramos cerca de 25 ou 30 do País todo e, logo o primeiro teste, quiseram ficar comigo. Nos primeiros dois anos, por não ter idade para ir para a Academia [do Sporting], treinava na UD Leiria e jogava lá ao fim-de-semana, mas depois, aos 12 anos, fui convidado para integrar a Academia. Tive que deixar tudo em Leiria para ir para lá.

Como é que lidou com essa mudança?
Na Academia do Sporting já tínhamos pessoas a tomar conta de nós, psicólogos, pessoas que nos levavam à escola. A adaptação era mais fácil porque já tínhamos certas coisas garantidas. Havia uma estrutura que nos protegia. A nível pessoal, porque sou uma pessoa mimada e muito ligada à família, não foi fácil, mas como a paixão pelo futebol era tanta acabou por tornar-se fácil.

É difícil, com essa idade e estando no Sporting, manter os pés no chão?
O facto de ser jogador do Sporting e de estar naquele patamar fez-me desviar um pouco dos estudos porque vivíamos muito focados naquilo. Já tinha treinos específicos e às vezes treinos bi-diários. Vivíamos tanto o futebol que acabávamos por nos desviar de tudo o resto e foi difícil conseguir manter o mesmo nível nos estudos. A escola quase que era secundária para nós.

Nesse período, com que jogadores privou no balneário que agora são conhecidos dos portugueses?
Os que mais se destacaram e que me lembro agora foram o João Mário [Lokomotiv de Moscovo], o Ricardo Esgaio [SC Braga], Ricardo Pereira [Leicester] ou o João Carlos Teixeira [Vitória SC].

Olhando para esses casos de sucesso e naquilo que poderia ter sido a sua carreira, o que lhe vem à cabeça?
Sinto que a nível de capacidades técnicas poderia estar no mesmo patamar, mas eles atingiram um certo nível de maturidade mais cedo e conseguiram perceber o que era importante para se chegar a um nível de topo, e isso só aconteceu mais tarde comigo.

No escalão de juvenis regressa à UD Leiria. Como foi deixar esse sonho de Alcochete?
Aceitei bem porque na altura foi uma decisão tomada por mim. Nos iniciados do Sporting, por uma questão de falta de físico – era muito pequeno e era constantemente colocado de parte - era pouco utilizado, sentia-me descontente e acabei por sair. Aliás, no final essa época de iniciados, tínhamos um torneio na Holanda e o treinador chegou ao pé de mim e disse que não podia levar-me porque os holandeses eram muito mais altos e que eu ia ficar de fora, mesmo sendo tecnicamente evoluído. Nesse dia liguei aos meus pais e disse que me queria ir embora.

Deve ter sido duro ouvir essas palavras…
Foi muito duro. Uma das grandes injustiças que tive que lidar na formação foi perceber que muitas das vezes privilegia-se o físico em detrimento da qualidade técnica e do talento. Eu sofri muito com isso. É um paradigma que está a mudar a pouco e pouco, mas na altura acabei por sofrer muito com isso. Acima de tudo deve-se olhar para um jogador e promover o seu potencial independentemente do seu crescimento físico.

No regresso à UD Leiria voltou a sentir-se útil?
Adaptei-me bem porque foi um regresso a casa e a certas coisas de que já tinha saudades. Contudo, quando estava a dar um ‘salto’ no meu crescimento tive uma lesão na anca. Foi a fase mais difícil da minha vida. Basicamente tinha uma deformação na cabeça do fémur que fazia com que tivesse um osso a roçar no osso.

Como lidou com isso?
Isto aconteceu no meu 2.º ano de juniores. Para além de se ter demorado muito tempo para detectar o meu problema, tinha muitas dores. Passei imenso tempo a fazer fisioterapia e a tentar recuperar. Não me conseguiram fazer o diagnóstico logo e quando isso finalmente aconteceu tive que ir a várias consultas, até que fui operado em Espanha. Com isto tudo tinha perdido dois anos. Na transição de júnior para sénior foi muito complicado por causa disso. Tive que ficar parado. Foi muito difícil de lidar. Sentia que tinha futuro no futebol e que tinha perdido uma fase importante, em que tive dois anos sem poder fazer aquilo que mais gostava.

Temeu que essa lesão fosse um ponto final na sua carreira?
Sim. Na altura tinha muitas dores e não me conseguia imaginar sem aquela lesão, era como se fizesse parte de mim.

Depois dessa fase negra, como é que se sentiu ao regressar aos campos?
Confesso que, por precipitação minha, não fiz bem a recuperação. Tinha de cumprir várias etapas, mas a ânsia era tanta que acabei por saltar certas etapas, o que não foi positivo. Além disso, como tive dois anos parado, estava muito limitado. Na altura só queria voltar a ser feliz e voltar a fazer aquilo que mais gostava, mas ainda me sentia muito afectado. Demorei muito tempo a ficar ao nível que agora consegui atingir. Na altura estava bastante desmotivado porque pensava que já tinha passado o pior, mas não foi bem assim porque foi um processo lento até ficar bem, de sentir fisicamente aquela leveza que nos permite ter agilidade.

Nesses anos passa por GRAP, Alqueidão da Serra, Vitória de Sernache, Académica B e SC Pombal, mas não se sentia verdadeiramente feliz…
Não estava focado no futebol. Basicamente nesta altura andava no futebol mais porque as pessoas me ‘chateavam’ do que por vontade própria e compromisso, porque não me sentia bem depois da lesão. A seguir ao Sernache tinha metido na cabeça que ia deixar de jogar futebol, mas na Académica acabaram por me dar esperança que ainda podia chegar lá. Foi o ponto de viragem na minha mentalidade.

Há muitas pessoas ligadas ao futebol que dizem que o Pedro tem muito talento mas que lhe faltava ‘cabeça’. Acha essa crítica justa ou as pessoas não compreendem aquilo por que passou?
Não vou dizer que sou exemplar, mas sei que grande parte do meu percurso foi afectado por alguns azares e que ainda hoje me afectam, mas que estou a tentar deixar para trás. Estou praticamente curado do problema [lesão] que tive e hoje isso não me impede de poder ir mais longe no futebol.

Foi no SCL Marrazes, em 2017/2018, com o treinador Marco Aurélio, que voltou a ser feliz?
Considero o Marrazes o meu grande ponto de viragem, acima de tudo na maneira como via o futebol. Sentia que a paixão que tinha ficado adormecida tinha voltado e que sentia uma alegria enorme em jogar à bola. É um ano que vou recordar para sempre.

Por que foi tão marcante para si?
Pelo grupo, pelo espírito no balneário. Éramos muito unidos. Para além de colegas eramos amigos e, acima de tudo, porque tínhamos um treinador [Marco Aurélio] em que me revia a 100% na forma de estar e na forma de ele pensar o jogo. Sentia um prazer muito grande de estar dentro de campo e de jogar de acordo com a forma dele pensar.

Depois do Marinhense, entra no seu caminho o Caldas, clube que representa actualmente. Como tem sido a experiência?
Foi a melhor coisa que me aconteceu pelo espírito que se vive no Caldas. É um clube com muita estabilidade, damo-nos todos como uma verdadeira família e, neste momento, o ‘chip’ é completamente diferente. Sinto que estou muito mais comprometido, mais adulto e com muito mais vontade do que há alguns anos atrás. Estou muito mais focado, mais feliz e estou a ter muito prazer em jogar.

Com 26 anos como é que projecta a sua carreira?
Neste momento vivo mais o presente. Já tive muitos sonhos que não se realizaram e agora consigo viver mais o dia-a-dia e desfrutar deste momento sem fazer grandes planos para o futuro. Este ano gostava de fazer uma boa época e de me destacar na competição, mas tento apenas desfrutar da realidade e tentar fazer o melhor possível.

Foi eleito o melhor jogador do distrito na época 2018/2019 pela AF Leiria. O que representa este prémio para si?
Este prémio é, acima de tudo, mais importante para a minha família que me tem acompanhado principalmente nos últimos anos no futebol. Sei que sentem um orgulho enorme. Pessoalmente é bom porque depois de todos os objectivos colectivos terem sido cumpridos [no AC Marinhense] é sempre bom ser destacado naquela super equipa.|

Na temporada passada, Pedro Faustino estava a ser um dos principais obreiros da excelente campanha do AC Marinhense na Divisão de Honra e na Taça do Distrito. Contudo, na recta final da época, o médio ofensivo deixou de entrar nas contas do treinador e falhou a final da Taça e da Supertaça. Pedro Faustino abriu o livro e conta ao Diário de Leiria tudo o que aconteceu.

Depois do Marrazes, tanto o Pedro como o treinador Marco Aurélio foram para o Marinhense, para aquela super equipa que ganhou tudo, mas as coisas não acabaram bem…
Quando o Marco [Aurélio] soube que ia para o Marinhense convidou-me e eu disse logo que sim. Foi uma época que correu super bem. Conquistámos tudo aquilo que havia para conquistar, mas teve um final amargo.

Amargo por não ter disputado os últimos jogos, nomeadamente a final da Taça e da Supertaça? O que aconteceu?
Depois de já termos garantido o título distrital, foi me proposta a renovação, mas não houve acordo de valores. A partir daí o Marinhense decidiu castigar-me. Fiquei proibido de jogar. Ainda pensei que pudéssemos chegar a um acordo, mas os castigos teriam que ser retirados porque eu merecia jogar por tudo aquilo que tinha feito durante a época. A minha vontade era ficar no Marinhense, mas tinha que haver justiça nos valores.

Nessa altura treinava com a equipa ou foi afastado?
O que me disseram na altura foi isto: ou ia embora e não recebia nada ou continuava a ir aos treinos – mesmo não jogando – e recebia tudo no final da época. Infelizmente isso não aconteceu porque não pagaram.

Sentiu-se injustiçado?
Sem dúvida alguma, mas já faz parte do passado. Sinto-me injustiçado por tudo o que dei àquele clube e por me terem privado de jogar duas finais que eram muito importantes. Eu disse ao presidente [Bruno Ferreira] que ficava no Marinhense, mas tinham que me deixar jogar as duas finais. Ele disse que sim e até tínhamos chegado a acordo de verbas, mas queriam que eu assinasse logo um contrato. Para mim, por uma questão de orgulho e princípio, eles primeiro tinham que me deixar jogar e depois assinava contrato. Eu propus-lhe apertar a mão em sinal que seria jogador do Marinhense e que assinava no final da época tendo em conta as circunstâncias, mas ele não me apertou a mão.|

José Roque - Diário de Leiria

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